Ainda sobre o dia mundial sem carro
Foi publicado no www.pedal.com.br um email comentando como foi o dia 22 de setembro em Curitiba. Acompanhe:
Curitiba, 22 de setembro de 2007. Dia Sem Carro.
O dia amanhece deliciosamente úmido, graças à salvadora chuva das últimas 48 horas.. Poucos
dias atrás estávamos com uma secura rara, meses sem chuva. Dizem alguns por aí, que pode ser por causa do aquecimento global, que é gerado principalmente pela emissão excessiva de gases produzidos pelos motores dos veículos que utilizam combustível fóssil! Pasmem, mas há quem duvide!Como o dia Sem Carro caiu no sábado, decidimos pedalar, nós três, minha companheira, minha filha de apenas dois anos e eu. Capacetes e sinalização adequada, partimos para aquela que seria uma aventura para elas. Pedalar de nossa casa até o centro da cidade de Curitiba, percurso este que eu faço diariamente de bicicleta para ir ao trabalho. Tínhamos como destino a casa de um amigo. Observamos a grande quantidade de carros nas ruas. Isto comprova que um evento de mobilização de porte internacional consegue ecoar pouco na grande maioria da sociedade. Alguns motoristas com a velocidade máxima de sempre, desprezando pedestres, cachorros, crianças, tijolo, buracos… aliás, aos olhos de muito motorista, seu próprio umbigo é a única coisa existe, e estas coisas tipo criança, pedestre, tijolo são as mesmas coisas, e só estão nas ruas para atrapalhar a circulação dos bem aventurados carros.
Chegamos ao passeio público de Curitiba, local onde semanalmente ocorre uma feira orgânica. Havia um evento da prefeitura para comemorar a chegada da primavera, e onde constatamos a presença do prefeito de Curitiba. Ao passar verbalizei a frase mais ciclovias…mais ciclovias , enquanto filmavam e gravavam a presença do político no evento. Logo um assessor se proxima e me diz que não eram necessários gritos, e que eu poderia aguardar e falar com o prefeito se quisesse. Mas, apesar de permanecer no local por alguns instantes, o político não se dirigiu até nós, ocupado que estava para sair nas fotos protocolares e, infelizmente, não pude dar minhas sugestões sobre a implantação de novas ciclovias pela cidade.
Seguimos nosso caminho e não muito adiante encontramos a trupe da Bicicletada, com seus cartazes bem humorados sobre a pauta da democratização do espaço urbano para circulação de bicicletas. Comentei com eles que o prefeito estava ali próximo, e desviando o itinerário do protesto pacífico, seguimos a grande multidão de ciclistas na direção do passeio público, onde ainda se encontrava o prefeito. Com a multidão de cidadãos ciclistas se aproximando, não demorou mais que alguns segundos para que o prefeito viesse conversar com alguns participantes. É o poder da mobilização! Há poucos minutos atrás, quando verbalizei sozinho mais ciclovias, fui até levemente censurado por emitir uma opinião em tom de discurso, o que foi considerado grito por tais assessores, e fiquei quase invisível aguardando sem sucesso a tal oportunidade de falar com alguém sobre o tema. Mas quando o grupo chegou o político não teve escolha e veio conversar com alguns integrantes do movimento. Até se mostrou receptivo, e espero que este canal de diálogo amistoso e colaborativo possa vingar e ir além do blá-blá-blá de sempre.
Após esse processo da manifestação nos afastamos do grupo, o qual seguiu seu roteiro de manifestação democrática, e nós três seguimos para a casa de nosso amigo.
À noite, quando encontrei um integrante da trupe Bicicletada, este me relatou que em um dado momento resolveram pintar simbolicamente uma ciclofaixa em uma via da cidade. Este ato teve a intenção de mostrar que, bastando uma lata de tinta e boa vontade política, a cidade pode ser sinalizada com este mecanismo rudimentar, chamado ciclofaixa , que é eficaz no que diz respeito a sua finalidade de destinar um espaço preferencial para circulação de bicicletas com segurança. Um ato de demonstração de como pode haver democracia da circulação viária.
No entanto, o que se seguiu foi no mínimo cômico. Alguns agentes da Guarda Municipal de Curitiba chegaram repentinamente em dois carros viaturas (no dia sem carro!) e, depois de demonstrações de truculência, despreparo e falta de capacidade para entender um movimento democrático, conduziram por meio de ameaças descabidas os integrantes da mobilização para a Delegacia de Meio Ambiente, alegando que os ciclistas estavam cometendo crime ambiental.
Há testemunhas que afirmam que um agente sacou uma arma para convencer sobre a necessidade de condução dos responsáveis para a delegacia. Isso mesmo, não é brincadeira, ciclistas, que pacificamente circulam em veículos não poluentes em um dia de movimento internacional em prol da atitude madura, diante do aquecimento global, propondo e incentivando o uso extensivo do veículo bicicleta, acabaram na delegacia ambiental. Se fosse humor, seria humor negro.
Tenho certeza que o prefeito, que se mostrou receptivo ao movimento, não foi o mandatário da repressão, mas entendo que este, ao tomar conhecimento do fato, tem a obrigação de compreender que há um despreparo absurdo na corporação da Guarda Municipal. Despreparo este que merece ser atacado com muito treinamento que abarque filosofia, sociologia, humanismo e tópicos da democracia e manifestação de massas, pois o que ocorreu foi uma demonstração de que não há um treinamento ralo sequer, que seja eficaz e torne agentes da segurança municipal capazes de agir com respeito, educação, delicadeza e doçura que o tema da democratização da circulação de bicicletas merece.
Será que os agentes da Guarda Municipal não poderiam estar fazendo seu trabalho de bicicleta, dando exemplo de respeito ao meio ambiente?
Ainda bem que no momento do furdúncio, eu, minha companheira e minha filha de apenas dois anos, já tínhamos nos separado do grupo! Vai que a arma disparasse acidentalmente!
Espero que o final desta história seja feliz, com conscientização do poder público e da sociedade sobre a necessidade da democratização do trânsito para ciclistas, e aprofundamento do respeito verdadeiro ao meio ambiente.
Viva o dia sem carro.
Bicicleteiro e família.
Os comentários eu deixo para vocês!
Não se pode esperar grande coisa de um funcionário concursado que deve receber um pouco mais do que um salário mínimo, despreparado, sem educação (a culpa dele é quase nula no ocorrido). A culpa são dos seus superiores que não dão a devida orientação, ele deve estar fazendo o que mandaram ele fazer.
Quanto aos carros no dia sem carros, isso não é exclusividade de Curitiba. Aqui no RS pra piorar, foi o final de semana mais chuvoso do ano (choveu em 3 dias o equivalente a um mês). Se eu não pude pedalar, pelo menos não liguei o meu carro. Infelizmente, pelo que pude observar pela janela da minha casa, poucos tiveram a mesma idéia.
Algumas notícias sairam em órgãos de imprensa, como a Agência Brasil (que coloquei neste post: http://magliarosa.wordpress.com/2007/09/22/dia-mundial-sem-carro-4/) dizendo que Caxias do Sul era uma das cidades pioneiras no movimento aqui no Brasil. Sinceridade? Eu nunca vi nada disso. Nesta edição, o máximo que vi, foi uma assessora da assessora do secretário de esportes indo até uma bicicletaria pedindo se eles não conseguiriam ‘convocar’ alguns ciclistas para um passeio.
A cultura do carro é muito forte no nosso país: quem não tem carro, quer ter um. Quem tem, não quer se desfazer.
Minha sugestão de leitura pra hoje é o post intitulado Crescer ou Preservar: o dilema chinês, no blog Uma malla pelo mundo.
Nunca está tão ruim que não possa piorar. Infelizmente.
Muito interessante o relato do Divonzir! Eu estava no grupo que pedalou do começo até o final (pintura da ciclofaixa), embora já tivesse ido embora quando a Guarda Municipal chegou. E um dos melhores momentos foi quando encontramos ele e sua família! Era bonito de todo mundo pedalando unido de capacete e tudo mais… as saudações foram muito efusivas. E a dica de que o prefeito estava por ali foi sensacional. Espero mesmo que não passe de blá-blá-blá.
O pessoal tem se articulado muito bem. Acho que o grupo da bicicletada de Curitiba vai longe…
Ah, Renato, o texto está repetido em algumas partes.
Ataulização: obrigado pelo aviso, já corrigi!
é amigo, nossa sociedade ainda engatinha. Mas foi ótimo o seu post… um abraço!
Ainda bem que você reproduziu aqui, Renato, ainda não tinha visto. Muito legal. Ah, também fiz a bicicletada até terminarmos a pintura da faixa, mas saí antes da chegada da Guarda Municipal. A faixa ficou muito boa. O pessoal que tem acompanhado relata que os motoristas têm respeitado a faixa numa boa!
Bem, eu presenciei a cena completa.
Estávamos indo embora quando a primeira viatura chegou, por pouco não escapamos. Demos meia-volta quando vimos que ia acabar sobrando para o Goura sozinho. Confirmo a truculência e o total despreparo dos policiais, mas realmente eles não têm culpa, são paus mandados, mal-pagos que nem sabem o que fazem. Quando apontamos os carros estacionados irregularmente, a 3 metros do nosso “crime ambiental”, eles diziam “não tenho nada a ver com isso”.
Tudo piorou quando chegou o chefinho (com mais 2 viaturas, ou seja, 3 carros no total), esse sim um sujeito perigoso. Não chegou a sacar a arma, mas fez menção de fazê-lo no momento em que gritou ao grupo “quem é o responsável por isso aqui?!” e todos, quase em uníssono, responderam “eu, eu sou responsável!” (foi comovente!). Deve ter sido demais para a mente militarizada dele, ‘como assim, um movimento sem chefe?’, e aí começou a espumar e gritou, apontando na direção dos mais afastados “NÃO ESTOU FALANDO COM VOCÊ!!!”, tentávamos dialogar “mas perguntastes quem é responsável..” “CALA A BOCA!!! NÃO ESTOU FALANDO COM VOCÊ, PORRA!! ESTOU FALANDO COM ESTE DAQUI!! (apontando para quem estava mais perto dele)”.
Outra pérola: “Cês ficam tudo aqui! Podem até sair fora, mas alguém a gente segura! Nem que seja dois, nem que seja um! Um a gente leva!”
Enfim, o cúmulo da ironia foi irmos de bicicleta (gastando as próprias calorias em vez de gasolina do estado) para a delegacia, sob acusação de crime ambiental, seguindo viaturas que dirigiam enlouquecidas, costurando o trânsito (quase atropelaram alguns de nós e pedestres), em pleno dia sem carro, após uma manifestação pacífica pela racionalidade na mobilidade urbana.
[…] [relato no pedaleiro] […]