Voto na Rua Augusto Stresser

19 de setembro de 2008 3 Por Renato

Deu na Gazeta do Povo, coluna do José Carlos Fernandes:

Deveria haver eleição para escolher a rua mais bacana da cidade. Vou fazer campanha – subir no palanque, falar na televisão, distribuir santinho em roda do Cavalo-Babão. Como a maré não anda para pedestres e outros bichos, só poderá votar quem na última semana andou pelo menos um quarteirão a pé ou de bicicleta. É a cota sola-de-sapato. Os outros que se contentem com um congestionamento na Visconde de Guarapuava – tem quem goste.

Aproveito para anunciar uma candidata. Não, não é a Schiller, tampouco a Flávio Dallegrave. Nem mesmo é uma rua inteira – mas um trecho dela: o quarteirão da Augusto Stresser, entre a Augusto Severo e a Barão de Guaraúna. Naqueles míseros cem metros se instalou um Ippuc sem pranchetas, governado por cabeludos de agasalho e magrela.

Aos fatos. Há um ano, foi instalada no trechinho da Stresser a primeira e única ciclofaixa da capital. Para quem não se afinou com o termo, ciclofaixa é uma estreita área de asfalto reservada a ciclistas. Fica a dois palmos do meio-fio, “mas é um salto gigantesco para a humanidade.” Ali, bikers não precisam desviar do poste, da banca de revistas, do ponto do ônibus, do au-au e seu dono. Ali não padecem o martírio de subir e descer da calçada, um atentado aos glúteos. Captou?

É bom saber. A faixa exclusiva para bicicletas da Stresser é clandestina. Surgiu em 22 de setembro passado, o Dia Mundial sem Carro, data que goza em Curitiba de menor popularidade que o Dia da Marmota. A obra custou uma ninharia: meia lata de tinta amarela e a demão voluntária da rapaziada do Coletivo Interlux – os tais cabeludos. Virou caso de polícia. Três agitadores da ciclofaixa foram em cana, acusados de “crime ambiental”. Os outros, que remédio, seguiram o carro da Guarda Municipal até a delegacia, pedalando contra o vento, mas sin perder la ternura jamás.

Não se via grita igual desde a Guerra do Pente e da derrubada do busto de Suplicy de Lacerda. “Foi um gesto de desobediência civil”, concorda o ativista Jorge Brand, 28 anos, morador daquele que se tornou o endereço mais zen da capital. É que Jorge – mais conhecido como Goura Narataj, seu nome Hare Krishna – além de pintar ciclofaixas dá aulas de ioga na Stresser, o que explica muita coisa.

Por recomendação do mestre, os alunos de Goura vêm de bicicleta. Não raro, aproveitam para dar uns pitacos na urbanização algo flower power implantada no quarteirão. Só ali, por exemplo, existem “jardins libertários” – grandes canteiros anárquicos instalados no passeio. “O troço aqui é meio selvagem”, resume o iogue, que já promoveu na redondeza o plantio de 25 árvores, incluindo uma bananeira.

Tem vizinho que chia. Outros dizem um polido “bom-dia” àquele se que se tornou o “síndico de rua” mais refinado da paróquia. Filósofo de formação, Jorge/Goura é estudioso de Schopenhauer. Não bastasse ser um Krishna na UFPR, é politizado feito um ativista de 68: não dá mole para a prefeitura. Com paciência de Gandhi, costuma chamar o poder público na chincha, pedindo espaço para as duas rodas. Seus companheiros de pacifismo não fogem à regra. São designers, artistas, músicos e quetais – todos ciclistas de carteirinha, condôminos da Stresser e chegados a uma performance.

Basta dizer que escolheram setembro como “mês cívico-cultural”. Uma das paradas da trupe se chama “Música para sair do carro.” Às quintas-feiras à noite, o Interlux bota uma banda para tocar logo ali, numa minipracinha da Barão de Guaraúna, de onde aproveita para convidar os motoristas “a sair da bolha”. Dia desses, um condutor não só pisou no freio como dançou com gosto em volta do seu veículo. A Stresser entrou na Era de Aquarius – pelo menos até a PM pintar. Sujou.

Via: [Voto na Rua Augusto Stresser

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